sexta-feira, julho 22, 2005

Estimado Rebatet

Quanto à questão da soberania mínima ou inexistente, depende do que se considera hoje Soberania. Poderíamos fazer um tratado sobre isso, concomitante com uma Teoria do Estado e do Poder (v.g. a tese de doutoramento de Jaime Nogueira Pinto ou os textos de Martim de Albuquerque, Blanco de Morais ou Adelino Maltez, p.e.). Voltarei ao assunto um destes dias, prometo-lhe (como será de esperar o case study da nação hebraica virá à colação). Mas antes tenciono abordar o tema da Raça, do multiculturalismo e do mundialismo.
Permita-me clarificar alguns conceitos antes de responder à sua questão sobre o Estado Novo. (A propósito, não é nada chato mas sim clarividente e estimulante; tenho uma enorme curiosidade de conhecer a sua idade !)

Pátria e Nação
Os Gregos clássicos confundiam amiúde as designações dos deuses com os próprios domínios destes. De forma análoga, também para nós a Pátria surge muitas vezes confundida com a sua encarnação, a Nação. A Pátria é o Altar memorial da nossa Alma colectiva. Encontramos nela a crepitante e perene lareira do arquétipo Lar que nos aconchega e revigora. Grande Solar mítico, construído por gerações sucessivas de antepassados, a Pátria, de natureza politicamente primordial, é a nossa referência axial no plano do colectivo. A sua evocação, enche-nos de ânimo, marca-nos o rumo e robustece-nos o coração. A sua conceptualização aplicou-se, no passado, às Cidades-Estado da Grécia ou da China como hoje abarca as referências fundamentais das modernas comunidades nacionais.
Por seu lado, a Nação tornou-se a sua carne, o seu corpo e moldura. É a Nação que, consciente de si própria, permite manter a salvaguarda do Fogo sagrado da Pátria, garantindo a sobrevivência do ideal colectivo. Renovada sob os auspícios da verdadeira liberdade, da igualdade de deveres e da fraternidade mais pura, a ideia nacional foi sempre cultivada como um ideal que podia exigir, em caso de extrema necessidade, o sacrifício da própria vida. Embora o conceito lato de Nação se perca nas brumas da memória histórica, é, sobretudo, na Idade Moderna do Mundo Eurocêntrico que ele ganha forma e estrutura quase universal, no corolário da agitação socio-política que levou à queda do Antigo Regime e à nacionalização das monarquias. Construída e sedimentada como um organismo imutável, idealmente idêntico a si mesmo através das vicissitudes do Tempo, a Nação é globalmente definida, para cada comunidade nacional, como uma unidade de destino colectivo projectada na História universal. É por isso meu caro amigo que não concordo consigo quando diz que a Suiça não é uma nação. Quanto à Bélgica ...
Onde desapareceu a Figura Real como elemento de aglutinação identitária procurou-se preencher o vazio com um conjunto de ideias chave das quais sobressaía a substituição de súbditos por cidadãos, em nome da Igualdade. Se bem que saibamos hoje pela etologia, pela sociobiologia ou pela simples observação empírica da realidade que, de facto, haverá sempre uns mais iguais que outros, a adesão colectiva àquela ficção não deixou de empolgar as massas populares, projectando assim uma argamassa nova no edifício nacional. A fim de lhe dar consistência, muitos intelectuais resolveram assumir o que chamaram o exigente dever patriótico de fornecer à Nação todos os elementos que lhe permitissem reconhecer-se como tal. Os sucessos marcantes do seu historial passaram a ser fruto de um proselitismo tenaz, ensinando aos indivíduos o que são, enquadrando-os e incitando-os a difundir, por sua vez, esse valor colectivo como coisa própria sua. O sentimento nacional, nascido da diferenciação cultural ou política, sedimenta-se e consolida-se com a permanente invocação e difusão da herança colectiva, permitindo ganhar consciência da individualidade e singularidade da Nação. No nosso caso, o sentimento diferenciador começara a surgir na agitada Marca de Entre Douro e Minho, provocando o destaque da Galiza, e, como corolário, o fim do seu sonho de independência. Mas é na gesta e na glória dos Descobrimentos e da conquista dos Impérios que a Razão de ser da Nação se afirmou; 1640 deu-nos, finalmente, a prova suprema da Vontade inquebrantável em ser Portugal que, desde então até aos conturbados dias de hoje, jamais perdeu consciência de si próprio.
E o Estado ?
Mas a gestão concreta das actividades da comunidade organizada é conseguida através do recurso a uma estrutura dinâmica, o Estado, cuja concepção, âmbito e estrutura de poder são motivo de divisão ideológica e doutrinal. Idealmente, como forma de justiça, equilíbrio e estabilidade nas relações internacionais, a cada Nação deve corresponder um Estado. Inversamente, pela mesma razão, uma Associação de Estados deve ser, antes de mais, uma Comunidade de Nações. Os Estados multi-nacionais, chamemos-lhes impérios, uniões ou comunidades, sem uma referência identitária que vá para além da figura do Imperatore, real ou virtual, são estruturas frágeis que rapidamente podem entrar em colapso.
A passagem da Nação, real ou embrionária, como princípio intemporal sui generis, a Estado-Nação, organização que não pode perdurar senão adaptando-se, faz emergir a adormecida contradição entre fixidez e evolução. E, no paradoxo, o Estado, instrumento que, em muitos casos serviu a construção da Nação, acaba por engendrar, na sua complexidade ontológica, uma angústia latente — o potencial desaparecimento da Nação. A Nação eterna, ao ajustar-se à estrutura conjuntural do Estado, fica exposta à morbidade e à mortalidade.
A criação de um Estado-Nação foi, na generalidade dos casos, formalmente homologada pelo estabelecimento de uma Constituição submetida ao sufrágio universal, podendo a sua aplicação variar consoante a evolução dos vectores internos de tensão e de poder. A fundamentação moderna e a concomitante formalização das estruturas institucionais e jurídicas, reguladoras organizacionais do Estado, foram ganhando coerência no meio de um processo de agitação turbulenta de reajustamento social. As Nações estrebuchavam, em pleno séc. XIX, numa atmosfera enevoada em nostalgia de glórias passadas, por um lado, e ânsia de afirmação no presente, por outro. No seu seio, a urgente necessidade de reformas sociais surgia descompassada da pusilânime atitude das elites snobs[1] instaladas, não havendo condições adequadamente asseguradas para a sua necessária renovação. À pobreza e à fome, aos anseios e à violência, às promessas e à demagogia de um lado opunham-se, do outro, a surdez, a sobranceria, a inoperância e o temor. O aparecimento do capitalismo industrial veio impor um novo modo de produção e a expansão de um grupo social, o proletariado operário, que fez surgir uma linha de fractura social e uma nova referência identitária. Concorrente da Nação, o Internacionalismo de Proletários de todo o Mundo, uni-vos! surge e difunde-se, tendo por base a pertença de classe contra a união inter-classista em que assenta a pertença nacional. Deste confronto, que constituiu o eixo principal da história europeia do séc. XX, saiu, no entanto, a Nação manifestamente vitoriosa. Se o resultado histórico tem demonstrado uma supremacia incontestável do capitalismo nas relações económicas intra e inter-Estados e o fracasso das tentativas para o substituir por outras formas de produção, não é menos verdade que trouxe também a afirmação persistente da ideia nacional como comunidade fraterna, solidária e protectora. Não foi pois surpresa que quando, no fim do séc. XX, a mundialização do capitalismo começou a ameaçar a soberania dos Estados-Nação, a Nação tenha aparecido como um refúgio e o seu eventual desaparecimento seja percebido como uma terrível e desestabilizante ameaça para a coesão social e para as condições de existência dos mais fracos. É a pertença à Nação que dá ao indivíduo um outro estatuto que não o de simples produtor/consumidor ou utente de serviços.
Tendo subjacente esta maçadora clarificação de critérios conceptuais, permita-me dizer-lhe que o Estado Novo não soube resolver o problema da Nação Portuguesa do séc. XX.
A mentalidade dos seus dirigentes estava ligada a arquétipos e mitos de superioridade civilizacional (que não racial) de origem anglo-saxónica com o permanente complexo de afirmação perante os outros (o vulgar pôr-se em bicos dos pés) tão característico dos franceses. O Estado Novo herdou um complexo territorial e cultural sui generis, a que não soube (por insuficiências culturais e políticas dos seus principais dirigentes, permitindo-me excluir Oliveira Salazar) dar destino. Era tecnicamente um Imperium atípico, com falta de homogeneidade das partes e onde as designações não conseguiam disfarçar a verdadeira realidade colonial (se bem que lá, os cidadãos não tribais, de origem europeia, africana ou asiática tivessem o mesmo tratamento face à lei a sua crioulagem era vista com sobranceria). Ao Imperium faltava-lhe a cabeça (o Rei ou o Imperador) capaz de federar as sensibilidade. Alguns intelectuais procuraram substituir essa lacuna pela ideia da Portugalidade Multicultural mas os pilares de suporte do regime, nomeadamente os militares e os camaleónicos situacionistas (mais salazaristas que Salazar) não permitiram o desenvolvimento dessa ideia- projecto de Nação do séc. XXI, cuja prossecução considero que teria permitido um fim diferente, com uma ideia de futuro genial, solidário e um exemplo para o mundo e sobretudo para África. (não há aqui ingenuidade como alguns estarão neste momento a pensar). Explicitarei melhor a ideia se a isso for desafiado...
Por agora tenho de regressar ao trabalho.

[1] Não deixa de ser interessante notar que o termo de origem inglesa, snob, é um acrónimo que resulta da contracção da designação neo-latina de sine nobilitas. S. nob. era a marca que a secretaria das universidades inglesas apunham nos processos de candidatura dos estudantes que não pertenciam a famílias nobres.

quinta-feira, julho 21, 2005

Tuttavia l' identità nazionale

È l'antica tradizione
In un popolo che vive
Che dà il nome di nazione
Alla sua identità.
E talvolta certe immagini
Perse dentro un'illusione
Dal passato, poi ritornano
Sulla scena immortale
Della loro verità


Do Poema Maschere de Leo Valeriano

A Identidade Nacional

Meu caro Rebatet

Muitas comunidades possuem uma referência identitária, de uma forma que poderíamos designar por Certificado de Origem ou de Fabrico, mas que, em muitos casos, não é suficiente para que se possam constituir em Nação. Como já é vulgar dizer-se, identidade também a têm os índios. Não basta falar de identidade; há que perceber que o qualificativo nacional lhe dá uma dimensão holística que arrasta, necessariamente um grau mínimo de soberania. O resultado da construção colectiva das identidades nacionais não apresenta um molde único na definição da alma nacional e no conjunto de procedimentos necessários à sua elaboração. Estes constroem-se na complexidade dos parâmetros culturais, políticos e históricos de que fazem parte o povo, o território, a língua, a religião, o património cultural e histórico comuns, etc., bem como as próprias interacções entre todos estes factores[1].
As formações políticas ou ideológicas estabelecem geralmente relações complexas entre a Identidade Nacional e as outras determinações identitárias. As perspectivas liberais, por exemplo, afirmam insistentemente a Nação como uma criação moderna, indissociável do triunfo da Democracia liberal. Contudo, a ideia intrínseca de Nação, parece ir, a priori, contra essa presunção visto que o seu princípio se baseia no primado de uma comunidade atemporal cuja legitimidade reside na preservação de uma herança colectiva. É, sem dúvida, por depender da tradição mais entranhada, e menos contingente, que a Nação se assume como uma categoria política eminentemente apta a suportar a evolução e os sobressaltos das relações económicas, sociais e políticas. Tudo pode mudar, excepto a Nação; ela é a referência tranquilizadora que permite a formação de uma continuidade, não obstante todas as mutações. O culto da tradição e a celebração do património ancestral, constituíram sempre um lastro eficaz que permitiu às sociedades efectuar mutações radicais sem cair na anarquia e na desagregação. A Nação, ao instalar uma fraternidade e, consequentemente, uma solidariedade de princípio entre herdeiros do mesmo legado indiviso, afirma a existência de um interesse colectivo. Constitui um Ideal e uma instância protectora, considerada superior às solidariedades resultantes de outras identidades, sejam elas de geração, sexo, religião ou condição social. A existência de uma herança comum, mito necessário embora não suficiente, raramente é posta em causa; o que varia é a sua composição, consoante as opções políticas e a época. Os conflitos podem traduzir-se em controvérsias sobre a composição do património ou sobre os acrescentos ou cortes nesse conjunto eminentemente plástico. A exegese sobre este ou aquele elemento da lista identitária, sobre a sua autenticidade, sobre as suas conotações expressas em termos contemporâneos é mesmo, muitas vezes, uma das causas mais comuns da luta política e ideológica.

[1] Muitas vezes, não basta um só destes parâmetros de referência identitária para definir a Nação. Países como a China, a Índia, a Suiça ou a Bélgica são multilingues. Outros povos, como por exemplo os Judeus, não necessitam de um território para se assumirem como uma comunidade de destino perante os outros. Os Ossetas, um ramo dos Alanos que, fugindo dos Hunos, se fixou no séc. V no Cáucaso, apesar de se encontrar dividido por duas religiões (os do Norte são maioritariamente muçulmanos e estão integrados na Rússia enquanto que os do Sul são, em grande parte, cristão ortodoxos, na Geórgia) nem por isso se consideram menos solidários em termos nacionais; o mesmo se passa, de certa forma, com os Albaneses.

quarta-feira, julho 20, 2005

O nacionalismo

A ironia agridoce de Duarte de Viveiros, no seu poema A Morte da Epopeia, dedicado ao neo-realista Ferreira de Castro, em 31 de Agosto de 1923.



Ao clarão do futuro, no horizonte,
Eu vejo o mar azul, serena a vida:
Caminha a humanidade sobre a ponte,
Enfim, da pátria universal, querida!

Como em plana paisagem, sem um monte,
A gente nova irmana-se na lida...
Ouve-se o rouxinol, a frauta, a fonte,
E o ritmo ideal do coração da vida...

O ódio morreu. O orgulho sucumbiu...
Mas, se a ventura humana se atingiu,
Branca nau navegando à lua cheia,

Partiu-se a espada que escreveu a história
Perdeu-se a fé na luta, a fé na glória
O génio da Energia e da Epopeia!



É no fim do séc. XX, no momento em que o Estado-Nação triunfa como forma de organização política por excelência, que os discursos sobre a decadência ou obsolescência das nações começa também a adquirir toda a sua força. Uns, pregoeiros do pessimismo, procuram denunciar o desmoronamento interno, atribuindo o facto a uma patologia que afecta o corpo da Nação. E sugerem os correspondentes diagnósticos: — invasão do organismo por agentes externos, estranhos e/ou agressivos ou então simples consumpção, cansaço ou desgaste pelo tempo. E, concomitantemente, procedem ou à denúncia dos germes deletérios ou dos parasitas que convém expulsar, ou atribuem o enfraquecimento ao facto de os nacionais se terem gradualmente esquecido das suas origens, da sua tradição, da sua alma, nas quais se deveriam permanentemente retemperar. Outros, dos púlpitos dos areópagos dominantes, anunciam o fim das Nações, não como uma constatação da degradação mas como uma necessidade promissora de remover pretensos obstáculos ao desenvolvimento normal dos Povos. É esse, por exemplo, o caso das correntes federalistas europeias, em que a exacerbação das interrogações sobre as identidades nacionais e a sua preservação no contexto actual, está sem dúvida, menos relacionada com questões de segurança ou com a presença significativa de mão de obra de origem estrangeira do que com a falaciosa sugestão de que as novas formas de vida económica exigem a constituição de conjuntos soberanos, mais vastos que os Estados-Nação. O escondido mas real complexo de inferioridade de algumas elites europeias face aos E.U.A., bem como a generalizada crença materialista no progresso ilimitado favorecem a convicção de que não só é desejável como inevitável a criação de espaços políticos meta-nacionais. O ideário da União proclama insistentemente que o conceito de Nação é já obsoleto e limitativo da tão desejada afirmação colectiva europeia. Mas a realidade é que a entidade supranacional União Europeia se pode ter transformado num espaço jurídico, económico, financeiro, policial, monetário mas nunca num bloco identitário. Falta-lhe todo o património simbólico através do qual as nações põem à disposição dos indivíduos uma memória e um interesse colectivos, uma fraternidade e uma protecção com provas dadas. O voluntarismo, consciente e militante, que tem sido praticado nas elaborações identitárias da União acaba, implicitamente, por denunciar que elas não decorrem espontaneamente de simples reorganizações do espaço político, cultural ou económico. Não engendram, ipso facto, um sentimento de identidade comum entre os indivíduos que nelas participam ou que a elas estão sujeitas. Criações como o Euro, por exemplo, não constituem, em si mesmo, um Ideal. No presente estado de coisas, os Europeus parecem estar tão desprovidos de identidade europeia quanto estão providos de identidades nacionais. As ilustrações de obras fictícias gravadas em algumas variantes da nova moeda acabam por demonstrar isso mesmo, sendo um reconhecimento da inexistência de um património que possa ser percebido por todos como colectivo. Tentativas artificiais de criação de um Exército, de uma estrutura judicial única ou de uma Constituição comum apenas trarão mais clivagens e frustrações.

As tendências atrás caracterizadas são sugeridas pela opinião que se publica (tantas vezes apresentada como a Opinião Pública) como quase hegemónicas. Contudo a reacção natural das populações mais avisadas e mais livres tem demonstrado não só a falsidade do facto como a insensatez da pretensão. Perante a mundialização uniformizante, aniquiladora das nações, despertam as forças centrífugas do nacionalismo. O refúgio crescente nas identidades nacionais é, pois, inevitável e amplamente compreensível e desejável, como garante da estabilidade política internacional. O nacionalismo surge hoje, quando não qualitativamente adjectivado (português, alemão, americano, etc.), como um método de análise política, bem como uma sageza e um princípio pedagógico. A singularidade do nacionalismo deriva do facto de ele localizar a fonte da identidade individual no seio da Nação que é vista como portadora de soberania, objecto central da lealdade e base da solidariedade colectiva. Na sua essência conceptual, obriga a ter em conta a Nação, enquanto resultante das singularidades concretas dos Povos soberanos, como categoria política fundamental na dialéctica do relacionamento internacional. Face às correntes materialistas dominantes, o nacionalismo aparece como um princípio criador de modernidade e de diferenciação qualitativa, reafirmando o valor moral e social das Nações.
Como muitos autores têm provado, e contrariamente à incutida convicção generalizada, não há oposição entre o nacionalismo e o cosmopolitismo intelectual. Quanto mais aberta for uma Nação às brisas temperadas que soprem do exterior, maior será a sua capacidade de se auto-regenerar, absorvendo o que no mundo se tiver construído de mais vital, elevado e são, e eliminando o que, no seu seio, for defeituoso ou caduco. Essa saudável virtude não deve contudo ser confundida com o deplorável cenário com que frequentemente nos confrontamos em que se desvaloriza tudo o que é nacional e se advoga a sua substituição pelo que é estrangeiro. Esta atitude, infelizmente tão vulgar, tem geralmente origem em elites que procuram ou afirmar snobmente o seu novo-riquismo cultural ou concretizar as suas convicções ideológicas anti-nacionais. Pelo contrário, em vez dessas forças desagregadoras, a pedagogia de massas do nacionalismo teve sempre como suporte privilegiado o património identitário que marca a Nação. Em todas as épocas, a pesquisa das fontes nacionais foi sempre uma obra de vanguardas culturais. Nos períodos românticos chegou mesmo a ser uma compulsiva demanda do Graal nacional; não só se buscavam âncoras míticas no passado remoto como se apresentavam parábolas que dessem, eufemisticamente, suporte à afirmação nacional contra um hipotético opressor ou uma cultura hegemónica. Quando necessário, uma perseverante demanda das fontes ancestrais, mesmo que apenas parcial ou degeneradamente vivas na tradição popular, era fomentada para suporte consistente de um passado que pudesse fundamentar a legitimidade da Nação. Já então se intuía que o que dá valor a uma cultura não é a sua maior ou menor proximidade a um modelo dominante mas, pelo contrário, a sua originalidade, a sua autenticidade[1]. Conhecermo-nos a nós próprios, enquanto colectividade nacional, antes de nos preocuparmos em exaltar os outros era o lema. Em Portugal, no séc. XIX, a geração de 70 acabou por ser uma geração de transição, de charneira entre a anterior, ainda muito marcada e empolgada pelos tições ardentes da republicana Revolução Francesa e seus corolários, e a geração de 90 que arrancou com a reacção que poderemos chamar de aportuguesamento ou re-aportuguesamento. Às preocupações hegemónicas de afirmação do civismo e da liberdade suceder-se-ia o exaltamento do modernismo e do nacional. Para os de 30-50, à laia do entendimento que os comunistas têm actualmente do conceito, a Pátria era a própria República; se para a conseguir fosse necessária a união com Espanha isso seria perfeitamente aceitável[2]. A geração de 90, formada por intelectuais que na sua maioria haviam estudado ou trabalhado no estrangeiro, mantendo embora o seu republicanismo tendencial, soube, no entanto, sobrepor à comunidade de cidadãos, livres mas anacionais, governados pelo materialismo económico, verdadeiro ênfase das que a haviam precedido, a sentimental adesão a uma herança patrimonial nascida da Tradição primordial e o reconhecimento de uma idiossincrática forma de estar no Mundo. A Nação cultural constituiu uma subversiva reacção e um dos movimentos intelectuais mais radicalmente modernos e cosmopolitas; de certa forma, foi também um processo de democratização cultural ao procurar substituir as vagas e elitistas referências greco-latinas anteriores por novos modelos de arte e conhecimento. Contudo, apesar de muitos desses intelectuais terem estado nos primórdios do Poder, depois da implantação da República, não conseguiram manter a sua influência por muito tempo. Os radicalismos, nomeadamente o anti-religioso e a contínua agitação política, levaram ao regresso das correntes culturais jacobinas que, de novo, vieram procurar submeter a "Pátria eterna" à consciência internacional, como foi o propósito declarado do movimento dos Seareiros. E, salvo raros apontamentos e honrosas excepções, nem mesmo o Estado Novo, com os seus complexos culturais e com a sua estreita e insuficiente política educativa, conseguiu inverter tal influência.
Com efeito, em nenhum âmbito da vida social essa realidade tem tido tão funestas implicações como na Educação e na Cultura. A pedagogia do sentimento de pertença tem de passar pelo emprego repetitivo dos possessivos na primeira pessoa do plural: o nosso país, a nossa Pátria, são expressões que fazem recordar constantemente que a identidade é colectiva. Os manuais escolares constituem um poderoso factor de integração não só porque são difundidos em grandes quantidades mas também por se dirigirem a seres humanos em estado de formação, com capacidade para apreenderem os conhecimentos morais e cívicos e os exemplos dos grandes antepassados. Inculcar as manifestações da Pátria nos seus traços mais nobres e mostrá-la grande pela honra, pelo trabalho e pelo respeito profundo do dever e da justiça é tarefa de todas as instituições que concorrem na Nação, nomeadamente do Estado e da Família. Mas a matriz de referência para essa acção prosélita está cada vez mais condicionada pelos clubismos ideológicos e pela forma como a evolução do Homem e das sociedades é, por eles, considerada. Apesar disso, não deixa de ter algum fundo de verdade afirmar-se que a construção identitária nacional nunca esteve associada a um determinado tipo de regime ou sistema de governação específico.
Mas, perante a inegável pressão dos instrumentos de domínio mundial, não estarão as identidades nacionais ameaçadas pela globalização económica e pelo mundialismo, sua consequência política?
Se a pergunta persiste em ser válida, embora fragilizando o nosso wishful thinking, a verdade, porém é que a capacidade de adaptação das forças que reagem contra essa tendência evolutiva encontrou até uma nova vitalidade graças, por exemplo, ao próprio símbolo da mudança em curso — a Internet. A utilização desta rede de comunicação cibernética tem permitido difundir, sobretudo junto dos mais jovens, os principais vectores da natureza identitária das Nações, suprindo afinal parte do papel educativo e divulgador do Estado. Mas todos os dias continuamos a ser expostos à questão de saber se a função social e política que elas têm desempenhado durante séculos irá perdurar. Há quem diga que a ultrapassagem histórica da Nação talvez não signifique a sua morte, pois a sua construção também não destruiu outras formações colectivas, que simplesmente se ajustaram e reconverteram, embora tenham sido quase sempre relegadas para um papel secundário[3].

[1] No caso do nosso País, parafraseando Leibniz mais vale ser um Português original que a pretensa cópia de um europeu. Note-se a acção desses senhores que, tentando agarrar a sombra europeia, deixam escapar a consistência da realidade portuguesa, incapazes de perceber como é insípido e artificial, seja onde for, tudo o que é condicionado e copiado…

[2] Antero chegou a declarar que nas nossas actuais circunstâncias, o único acto possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade.

[3] Há quem entenda, como Jaime Magalhães Lima o fazia na viragem para o séc. XX, que Quando a Nação acabar, ficam ainda cinco milhões de portugueses, homens sadios e belos, trabalhadores, sóbrios, duma maravilhosa organização moral, amoráveis, resignados, almas de poetas com eternos amores, cantos de sublime saudade que em todo o mundo não têm iguais. E eu creio nesse povo, na sua resistência, na sua grandeza, nos seus destinos. Foi conduzido por maus pastores à escravidão; mas não se perverteu. Aspirações e energias conservam-se intactas, puras.

A Segurança Pública e o desgaste da solidariedade social

Identificar as ameaças e as vulnerabilidades é o primeiro passo para estabelecer uma sólida e coerente política de segurança. As ameaças podem derivar de causas naturais, de acidentes ou desastres ou de actos intencionais. Quando estes são causados por uma violação voluntária de uma disposição legal que regulamenta ou proíbe um acto para a protecção da sociedade nas suas componentes e estruturas humanas são considerados crimes. Podem ter uma expressão isolada, contextual ou organizada. De qualquer forma, mesmo os actos criminosos individuais podem ser indirectamente influenciados pelo panorama criminal geral que caracteriza a sociedade onde eles ocorrem. A validade desta afirmação é ainda mais significativa nos dias de hoje, com a irreversível tendência para a globalização.
Recentemente, quando me encontrava à janela de casa, assisti a um episódio que me marcou de maneira profunda. Impotente pela distância, pude ver uma criança, com pouco mais de dez anos, ser assaltada em pleno dia, por um marginal. O episódio é já habitual na zona em que vivo e faz seguramente parte do quotidiano de muitas famílias portuguesas, apesar de os esteticistas governamentais e autárquicos insistirem em negá-lo. Embora indignado, porventura anestesiado pela habituação estatística, não fiquei particularmente admirado.
O que efectivamente me impressionou foi a atitude dos transeuntes adultos que passavam e que, cobardemente, se afastavam olhando para o lado, apressando o passo. A recusa de ajuda a uma criança ameaçada é manifestamente um indicador do baixo nível de solidariedade humana que a sociedade portuguesa de hoje apresenta. E isso deve-nos obrigar a reflectir profundamente sobre as causas que levaram a um tal estado de coisas. Uma delas é certamente o descurar, umas vezes por pusilanimidade e outras intencionalmente, as virtudes cívicas e patrióticas.
A insegurança, que nas grandes urbes aparece quase sempre associada aos grupos marginais e, nomeadamente, à toxicodependência, tem, tal como esse mesmo fenómeno, razões bem complexas. Em última análise, a droga deteriora, corrói ou destrói o nosso melhor recurso social - a juventude. As doutrinas sociais que nos governam, herdeiras da teoria do Bom Selvagem de Rousseau, tendem a auto-culpabilizar a Sociedade pela situação de marginalidade de muitos cidadãos que, voluntariamente, se degradam e afastam das regras mínimas da convivência em comunidade. Sob a capa de doentes[1], embora sem especificação definida, é gasta com eles uma soma importante dos recursos sociais, sem que se veja qualquer diminuição do consumo ou da criminalidade que ele engendra. Em compensação, doentes involuntariamente dependentes de fármacos para sobreviver, como os hemofílicos, os diabéticos, os que sofrem de esclerose múltipla, etc. são pouco mais que ignorados. Por incapacidade, conveniência judicial e policial do mal menor ou por pretensa piedade, toleram-se os toxicodependentes que todos os dias intimidam, agridem e maltratam sobretudo os mais novos e os mais velhos. Passa-se por cima desse factor de insegurança generalizado mas em compensação, talvez como manobra de diversão, lança-se o estigma sobre quem bebe álcool, independentemente do consumo, como se esse fosse o verdadeiro problema que socialmente nos afecta em termos de segurança. É óbvio que a dependência do álcool foi, é e será sempre um grave problema e um importante factor de insegurança, sobretudo quando escondido no seio do lar, mas por mais areia que nos atirem para os olhos, as suas consequências não são comparáveis às da toxicodependência.
Para a maioria, o conceito de Segurança implica um ambiente estável e relativamente previsível no qual um indivíduo ou um grupo possa prosseguir os seus objectivos sem medo de distúrbios ou agressões. As Autoridades tendem a avaliar o nível de segurança pela análise dos dados obtidos através da participação efectiva dos crimes. Mas, na realidade a percepção do nível de Insegurança é muito mais importante para a definição da necessidades de segurança que a estatística do crime. Praticamente em todo o Mundo, está-se a notar um aumento significativo na extensão e âmbito da criminalidade internacional desde os anos 90, ao mesmo tempo que os indicadores dão nota de uma ligeira descida na interna, nomeadamente nos segmentos da chamada baixa criminalidade. No entanto, o cidadão comum tem uma perspectiva diferente como o demonstram as inúmeras sondagens e inquéritos realizados. O que acontece, amiúde, é que, por falta de confiança no sistema judicial, as pessoas já não se dão ao trabalho de apresentar queixa, introduzindo assim, sem o quererem, uma distorção nas estatísticas do crime.

[1] Será uma nova categoria de morbidade, a doença social? Se fossem considerados doentes mentais certamente haveria lugar a internamentos forçados. Em vez disso, com a desculpa de lhes diminuir o seu sofrimento e lhes aumentar a esperança de vida são gastas somas astronómicas em estruturas e medicamentos enquanto se deixa ao cuidado das famílias os encargos para as tentativas de recuperação. Não deixa de ser sintomático que as maiores taxas de recuperação de toxicodependentes se verifiquem em comunidades terapêuticas suportadas pela Igreja que são também aquelas que menos apoios estatais recebem.

terça-feira, julho 19, 2005

Sobre a actual vaga de criminalidade

A irreflectida onda de descolonizações provocada sobretudo pelos interesses dos contendores da Guerra Fria está na origem da profunda desestabilização que, de maneira tão trágica, tanto tem afectado os chamados países do terceiro mundo. Impuseram-se artificialmente Nações em espaços e a povos sem qualquer património identitário comum. Nem a melhor das boas vontades permite esconder o facto de que a genuína revolta individual contra um poder colonial arbitrário e paternalista nada tem que ver com os levantamentos nacionalistas que na Europa haviam ocorrido no século anterior. Com uma arrogância irresponsável, fruto da mais profunda ignorância e do mais intolerante preconceito ideológico, inventaram-se caricaturas de Estado, desprezando a verdadeira natureza da Nação como comunidade de destino colectivo, sedimentada e coesa. Um neo-monroenismo, ditado pela confrontação entre as potestades mundiais, votou à miséria, ao extermínio e à servidão um número incalculável de populações a quem, em nome dos mais elevados interesses da Humanidade, havia sido outorgada a Liberdade. Mas cedo essa liberdade abstracta se viu substituída pela falta de liberdades concretas e, de uma forma geral, o caos, o genocídio e a cleptocracia se instalaram de forma inequívoca. Dessa conflitualidade permanente e da subsequente débacle do Bloco Soviético respingam continuamente fluxos de pessoas em busca de uma vida melhor ou, pelo menos, da esperança de sobreviver. A sua entrada incontrolada nos espaços tradicionalmente mais abertos e deficitários de mão-de-obra, como é o caso dos países da Comunidade Europeia, arrasta todo um conjunto de novos problemas que, directa ou indirectamente, afectam a nossa segurança global. Quase sempre o insucesso na inserção no tecido social dessas sociedades leva à marginalidade e, por vezes, quando as comunidades expatriadas são significativas, à auto-exclusão. Esta evolui, com facilidade, para a ghettização, com toda a conhecida panóplia de comportamentos e atitudes que fazem gala em buscar em sub-culturas marginais inspiração e energia.
Incapazes de acompanhar a evolução das ameaças que, em muitos casos, conflituam com entranhadas convicções ideológicas, os governantes, e as autoridades em geral, manifestam face aos problemas da segurança pública um comportamento quase autista, como recentemente comprovámos. Esta atitude confrangedora é motivadora de reacções de indignação que conduzem, muitas vezes, a legítimas alterações da Ordem e a uma potencial escalada da violência, nada características do nosso quotidiano.
A insegurança aparece nas grandes urbes cada vez mais associada a grupos marginais. Mas as doutrinas sociais que nos governam, herdeiras da teoria do Bom Selvagem de Rousseau, tendem a auto-culpabilizar a Sociedade pela situação de marginalidade desses cidadãos que, voluntariamente, se degradam e afastam das regras mínimas da convivência.
As autoridades tendem a avaliar o nível de segurança pela análise dos dados obtidos através da participação efectiva dos crimes. Mas, na realidade a percepção do nível de insegurança é muito mais importante para a definição da necessidades de segurança que a estatística do crime. Esta está ferida de credibilidade, já que, amiúde, por falta de confiança no sistema judicial, as pessoas já não se dão ao trabalho de apresentar queixa, introduzindo assim, como efeito perverso, uma distorção naqueles valores.
Por outro lado, as forças encarregadas da prevenção e repressão do crime encontram-se muitas vezes fragilizadas pela falta de orientação e apoio da própria tutela. A credibilidade das polícias é extremamente vulnerável à ausência de solidariedade das altas esferas políticas muitas vezes formadas por gente que não se consegue libertar da matriz ideológica dos anos 60, normalmente assente num substrato que oscila entre o marxismo pacifista e o socialismo mata-frades. É por demais evidente que o medo que as pessoas têm do crime quer ele corresponda ou não à realidade dos factos, provoca uma alteração substancial nas suas actividades e formas de vida, com trágicas consequências para a coesão identitária colectiva.

segunda-feira, julho 18, 2005

Ynestrillas

Filho de um militar assassinado pela ETA, o meu amigo Ricardo cumpre pena numa prisão de Segóvia por alegadamente ter baleado um traficante de droga. Protestando sempre a sua inocência, decidiu não fugir e resolveu enfrentar a Justiça Espanhola de cara al sol. Lixou-se e apanhou 7 anos.
Ricardo que entretanto concluiu a licenciatura em Direito, desespera pela mudança de estatuto que normalmente é atribuída a detidos com bom comportamento depois de metade da pena cumprida. Com a impetuosidade que o caracteriza, Ynestrillas resolveu iniciar hoje uma greve de fome até que as instâncias judiciais (provavelmente de férias) respondam aos seus pedidos.
Não o esqueçam nas vossas orações !

quarta-feira, julho 13, 2005

OS CHINESES

SODOMA DIVINISADA


Segundo Raul Leal, o irmão Henoch, ...

O fascista mais avançado ...

Quem havia de dizer; segundo Jesus Suevos, Humberto Delgado, dotado de grande ambição, pouca paciência e menos prudência, era o fascista mais avançado que conheceu em Portugal.

...
Era então chefe da Legião Portuguesa o jovem e muito inteligente Costa Leite Lumbrales, que depois foi muitos anos ministro dda Presidência às ordens imediatas de Salazar. Fomos ele e eu os oradores de um ressoante acto público em plena Lisboa. Porém, poucos dias depois, num banquete que aos espanhóis dedicou a Legião, no Casino do Estoril, não tendo Costa Leite podido comparecer por motivo de uma ocupação inesperada, em seu lugar ofereceu o banquete um capitão da Aviação, comissário da Mocidade Portuguesa, que se chamava Humberto Delgado. Almoçámos, pois, juntos e, como é natural, falámos todo o tempo de política. O então capitão Delgado era um homem entre os trinta e cinco e os quarenta anos, muito moreno, corpulento e com uma enorme vitalidade. Expressava-se com grande veemência e pareceu-me pouco prudente, pois sem encomendar-se a Deus nem ao diabo começou a dizer-me que achava o regime português “pouco fascista”. Confessou-me que admirava Mussolini e que lhe parecia necessário “endurecer” a Legião portuguesa e, sobretudo, a Mocidade. O agora chefe da oposição “democrática” ao Estado Novo edificado por Salazar cria que ainda havia demasiadas reminiscências liberais nas junturas das instituições e fórmulas do novo regime, e advogava “maior força e severidade”.

Tradução de um artigo de Jesus Suevos, no Arriba de 29 de Janeiro de 1961

terça-feira, julho 12, 2005

Ganda fascista ! É o Delgado pois !

olá pessoal

Aqui o velhadas resolveu dar uma de cibernauta e arrotar postas de pescada na bloggosfera.