segunda-feira, janeiro 15, 2007

O Segredo do Grande Painel...

Forçado a um prolongado ramadão bloguístico, só o meu amigo Salvador (cruzes canhoto!) é que me faria sair da toca. Acontece que retido em casa por uma persistente gripe, dispuz de algum tempo para ir até aos suspeitos do costume, usando como entrada o Último Reduto. E post puxa post lá fui parar ao abalizado comentário do Eurico sobre o Apocalypto. Incapaz de se conter o Diabo do Salvador, assíduo paineleiro do Jantar das Quartas (onde há muito não ponho os pés mas de que guardo saudades) vai de borrar a pintura erudita ao confundir os Maias do Gibson com os Aztecas. Meu bom Pedro, as 27 línguas nahuatl fazem parte da grande família linguística Uto-azteca (60 l.) onde se incluiem o shoshoni, o paiute, o hopi, o yaqui e o pápago do México e dos E.U.A.
O Maya (68 línguas) é outra família que se distribui pelo México, pela Guatemala e por Belize. Ao contrário do Nahuatl (substituído pelo castelhano ou Inglês como primeira língua de comunicação), o Maya, sobretudo nos Estados de Campeche e Quintana Roo, está ainda bem vivo e sobretudo o Yucatecano-Lacandon é vulgarmente a língua mãe. Há ainda largas dezenas de milhares de maias que, contrariando a lenda negra do extermínio dos colonizadores, não sabem falar castelhano.

Quanto à ausência do Grego (trazido sobretudo pelas tropas helenísticas de Alexandre)na Paixão do Cristo,duas razões devem ter influído nessa aparente lacuna. Primeiro o facto de a língua franca da Galileia (e de todo a região que engloba hoje o Iraque, a Síria central, o antigo reino de Israel e a Jordânia) ser o Aramaico ou siríaco e a língua litúrgica judia o Hebraico. O Grego estava remetido para a Administração e as comunidades da costa. Era sem dúvida igualmente uma língua franca na costa e nas principais cidades (e foi por isso a principal língua de difusão do Cristianismo).
Segundo, o aramaico, tal como o maia, ainda se fala; o grego de então não era nem o grego clássico nem tampouco o katharevousa erudito que uma minoria de letrados consegue alinhavar e, muito menos o demotiki, a versão neo-helénica popular e oficial.

Quanto ao canibalismo maia penso que ele não era de regime alimentar como algumas crónicas pretendem, inclusivamente a descrição dos últimos anos de Moctezuma, mas de raíz espiritual: o assumir da força do imolado ou o transporte para visitar o mundo do além.

1 comentário:

Pedro Botelho disse...

Prezado Engenheiro,

Imagine que, não sendo adivinho nem percorrendo eu todos os dias todos os cantos da blogosfera, só agora deparei com este seu intrigante (no mais nobre sentido) naco de prosa, mas não é por isso que deixo de ter todo o prazer em lhe responder. Duas simples chamadas de atenção, se me permite:

1) O que eu escrevi foi: «A [...] alusão [do Eurico De Barros] à língua "maia iucateca" esclarece uma dúvida que me tinha ficado: a de que a língua em que o filme é falado não parece ter muitas semelhanças com o nauhatl. Calculo que a língua maia tenha muito menos a ver com as línguas faladas mais a ocidente do que eu pensava». Isto sem tirar nem pôr. Ou seja: agradeci ao Eurico de Barros ele ter focado um determinado ponto para mim obscuro, pela muito simples razão de que nem todos nascemos tão sábios em matéria de linguísticas mesoamericanas como o cultíssimo e infalível Engenheiro. Nem sequer se tratou de resposta a alguma correcção, uma vez que não me tinha eu ainda referido sequer a quaisquer aspectos linguísticos do filme, mas tão sómente de um pequeno assomo de prazer por ter aprendido mais alguma coisa sobre um assunto de que conheço pouco: fiquei a saber que a língua maia, ao contrário do que eu pensava, é bastante diferente do nahuatl com cujas sonoridades todos estamos mais ou menos familiarizados devido ao panteão das divindades aztecas, suas cidades etc.. Fico perplexo pela importância avassaladora que deu a esta modesta ninharia, a ponto de ter quebrado o seu «prolongado ramadão bloguístico» e «saído da toca» para retocar a «pintura borrada», arriscando alguma recaída. Sem deixar de agradecer o seu interesse, parece-me no entanto que se alguém «borrou a pintura», não fui eu...

2) A propósito da sua confusão em torno dos seus amigos (cruzes canhoto, como diz) não é para mim grande novidade nem vou dissuadi-lo de acreditar no que quiser. Mas a título de informação sempre lhe digo que não faço parte, ao contrário do que pensa, desse tal Painel das Quartas de que o prezado Engenheiro foi, segundo nos informa, paineleiro integrante, e não só nunca tive o prazer de nele participar, como, tanto quanto eu saiba, não tenho sequer o prazer de o conhecer pessoalmente a si. Como deve calcular, engenheiros, como chapéus, há muitos.

Cumprimentos e votos de melhoras da gripe, caso ainda dure.