Meu caro Rebatet
Muitas comunidades possuem uma referência identitária, de uma forma que poderíamos designar por Certificado de Origem ou de Fabrico, mas que, em muitos casos, não é suficiente para que se possam constituir em Nação. Como já é vulgar dizer-se, identidade também a têm os índios. Não basta falar de identidade; há que perceber que o qualificativo nacional lhe dá uma dimensão holística que arrasta, necessariamente um grau mínimo de soberania. O resultado da construção colectiva das identidades nacionais não apresenta um molde único na definição da alma nacional e no conjunto de procedimentos necessários à sua elaboração. Estes constroem-se na complexidade dos parâmetros culturais, políticos e históricos de que fazem parte o povo, o território, a língua, a religião, o património cultural e histórico comuns, etc., bem como as próprias interacções entre todos estes factores[1].
As formações políticas ou ideológicas estabelecem geralmente relações complexas entre a Identidade Nacional e as outras determinações identitárias. As perspectivas liberais, por exemplo, afirmam insistentemente a Nação como uma criação moderna, indissociável do triunfo da Democracia liberal. Contudo, a ideia intrínseca de Nação, parece ir, a priori, contra essa presunção visto que o seu princípio se baseia no primado de uma comunidade atemporal cuja legitimidade reside na preservação de uma herança colectiva. É, sem dúvida, por depender da tradição mais entranhada, e menos contingente, que a Nação se assume como uma categoria política eminentemente apta a suportar a evolução e os sobressaltos das relações económicas, sociais e políticas. Tudo pode mudar, excepto a Nação; ela é a referência tranquilizadora que permite a formação de uma continuidade, não obstante todas as mutações. O culto da tradição e a celebração do património ancestral, constituíram sempre um lastro eficaz que permitiu às sociedades efectuar mutações radicais sem cair na anarquia e na desagregação. A Nação, ao instalar uma fraternidade e, consequentemente, uma solidariedade de princípio entre herdeiros do mesmo legado indiviso, afirma a existência de um interesse colectivo. Constitui um Ideal e uma instância protectora, considerada superior às solidariedades resultantes de outras identidades, sejam elas de geração, sexo, religião ou condição social. A existência de uma herança comum, mito necessário embora não suficiente, raramente é posta em causa; o que varia é a sua composição, consoante as opções políticas e a época. Os conflitos podem traduzir-se em controvérsias sobre a composição do património ou sobre os acrescentos ou cortes nesse conjunto eminentemente plástico. A exegese sobre este ou aquele elemento da lista identitária, sobre a sua autenticidade, sobre as suas conotações expressas em termos contemporâneos é mesmo, muitas vezes, uma das causas mais comuns da luta política e ideológica.
[1] Muitas vezes, não basta um só destes parâmetros de referência identitária para definir a Nação. Países como a China, a Índia, a Suiça ou a Bélgica são multilingues. Outros povos, como por exemplo os Judeus, não necessitam de um território para se assumirem como uma comunidade de destino perante os outros. Os Ossetas, um ramo dos Alanos que, fugindo dos Hunos, se fixou no séc. V no Cáucaso, apesar de se encontrar dividido por duas religiões (os do Norte são maioritariamente muçulmanos e estão integrados na Rússia enquanto que os do Sul são, em grande parte, cristão ortodoxos, na Geórgia) nem por isso se consideram menos solidários em termos nacionais; o mesmo se passa, de certa forma, com os Albaneses.
quinta-feira, julho 21, 2005
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3 comentários:
Obrigado pela resposta caro engenheiro.Achei a sua posição sobre o assunto bastante sensata e em larga medida estou de acordo.Se estranhou a minha pergunta devo dizer que ela é resultado da forma, por vezes absurda, como tenho visto alguns falarem de identidade nacional.
« há que perceber que o qualificativo nacional lhe dá uma dimensão holística que arrasta, necessariamente um grau mínimo de soberania.»
Uma dimensão holística sim, já um grau mínimo de soberania não direi, pelo menos não continuamente, podem existir nações que temporariamente não tenham qualquer tipo de soberania e não deixam por isso de ser um todo nacional, em minha opinião.
«O resultado da construção colectiva das identidades nacionais não apresenta um molde único na definição da alma nacional e no conjunto de procedimentos necessários à sua elaboração. Estes constroem-se na complexidade dos parâmetros culturais, políticos e históricos de que fazem parte o povo, o território, a língua, a religião, o património cultural e histórico comuns, etc., bem como as próprias interacções entre todos estes factores[1].»
De acordo e folgo em ver que fala no povo.Alguns quando falam em identidade nacional parecem achar que é um conceito meramente abstracto sem qualquer ligação à comunidade, uma espécie de tradição estabelecida por direito divino.
Pegando nisto gostaria de lhe colocar uma outra questão, a que responderá se entender,aqui mesmo na caixa de comentários;falemos do Estado Novo, realidade incontornável no nacionalismo português.Eu considero que o Estado Novo não representava uma nação no sentido completo do termo mas antes uma construção jurídica englobando diferentes "nações",digamos assim, precisamente porque representava um alglomerado de "povos", Estado e nação não são em minha opinião conceitos coincidentes. Ora pegando na sua definição,precisamente holística de nação, gostaria de saber se para si o Estado novo representava verdadeiramente uma identidade nacional, ou seja, o Estado Novo tinha um "povo" ou espelhava em sua opinião uma junção de "povos" unidos sob um Estado?Porque devo dizer-lhe que considero, por exemplo, a Suiça como uma federação e não necessariamente uma nação no sentido estrito, ou vejo a Bélgica como um reino comportando duas nações...
Desculpe se lhe pareço um chato mas sou muito curioso, sempre desejoso de aprender,de conhecer novas posições, sobretudo quando o posso fazer com um engenheiro :)
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