sexta-feira, janeiro 27, 2006

Marcha Triunfal Cavaquista III

No remanso do avoengo lar, o Avô Cantigas acariciava nervosamente a sua amada viola, confidente de tantes combates, companheira de tantas glórias. Estava ainda a remoer o desaguisado que tinha tido com o presidente da mesa da 3ª secção a quem havia solicitado a devolução do boletim de voto, pois tinha-se esquecido de acrescentar ao Viva o Rei que escrevera no papelito um Viva o Senhor D. Duarte .
Hesitara; pensara em pôr Viva o Senhor D. Miguel mas, realista e cosmopolita, achou que talvez não fosse perceptível e, zás!, não pôs mais nada. Mas o remorso fê-lo voltar atrás porque naquele curto hiato tinha-se decidido. E o estupor do presidente da Mesa a dizer-lhe que não, que não podia ser, só com autorização do Dr. Soares ou do Xô Nabeiro. Zé Cantigas, irritado e contristado, regressou a casa e pegou na banza. Aconchegando-se no sofá de orelhas próximo da lareira, procurou acalmar a mágoa, cantando baixinho:

Senhor capitão
Sou dos primeiros
Da Revolução
Militei na Banca
Estive na prisão
Agarrei um facho
Quero agora um tacho
Não diga que não
Senhor capitão

Senhor capitão
Está um belo dia
E a Revolução
É uma alegria
Passeei seu cão
Trago o seu almoço
Coma com cuidado
Olhe algum caroço
Senhor capitão

Trago o seu jantar
Coma devagar
Olhe a digestão
Não berre não grite
Peço que não se excite
Olhe o coração

Senhor capitão
Dizem que é quem manda
No que p’r aí anda
É preciso pôr-lhe a mão
Não vá isto descambar
E a gente perder o lugar
Na chefia da Nação
Senhor capitão

Senhor capitão
Trago a sua ceia
E uma lista
De homens p’ra cadeia
E da reacção
Muita, muita pista
Muita, muita teia
Mas que bela ideia
Senhor capitão

Senhor capitão
Olhe a reacção
Espreita nas janelas
Espia nas esquinas
Pára nas vielas
E vai às meninas !
É uma aflição
Senhor capitão

Senhor capitão
O país é um osso
Escave com cuidado
Roube bem fardado
Pois a reacção
Anda a abrir um poço
Venda as suas casas
Compre um par de asas
Salve o seu pescoço

Senhor capitão !




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E uma enternecedora lágrima de saudade desceu-lhe pela face e perdeu-se no infinito do seu enobrecido Ser.

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